Há pessoas que sentem ter um impacto na vida dos outros, superior ao que realmente têm, e com isso confundem, até, o espaço que ocupam com aquele dos aeroportos, julgando necessário fazer anúncios. Não raras vezes, o anúncio serve apenas um propósito imediato, uma gratificação momentânea ou uma demonstração do que julgam ser uma enorme virtude. Tanto quanto aqueles que, doando aos pobres, o fazem saber prontamente, o que para quem leu os textos bíblicos bem sabe que tem uma validade muito limitada no tempo: a recompensa esgota-se no acto, sem qualquer fruto vindouro. O que resulta de uma firme convicção melhor se faz no recato, mais pela importância do que isso tem para a dignidade do próprio, do que para a glorificação pública por terceiros, alimentando a sede por aplausos.
Ora, assim sendo, se alguém quer abandonar uma qualquer rede social, que a abandone, não precisa anunciar, apenas siga a sua consciência. Quando, há alguns anos, abandonei uma rede social que censurava conteúdos verdadeiros – apenas porque incómodos para a linha editorial vigente – não fiz disso alarde. Encerrei a conta e segui em frente. Mas isto de seguir a consciência, sendo bonito, obriga a que exista alguma. Na sua ausência, muitos estarão apenas a seguir a ignorância, bem ou mal intencionada, ou a enganar terceiros. E disso, vejo muito.
Desde que Elon Musk comprou o Twitter e o reformulou em X, seguiram-se anúncios de saídas da rede, de organizações e indivíduos. Aqui, pelo rectângulo, alguns dos mais recentes foram o Banco de Portugal, o Tribunal de Contas ou a Faculdade de Ciências, e por outras paragens foram já vários os orgãos de comunicação social a sair do X, como o The Guardian ou o Le Monde, entre outros. Dizem que o X de Musk se tornou num espaço de ódio e de desinformação, migrando prontamente para o Bluesky de Dorsey, co-fundador e antigo CEO do Twitter, antes de este ser comprado por Elon Musk.
O Bluesky, concorrente do X – com uma boa dose de generosidade – é onde estas entidades se sentem melhor. É o espaço do politicamente correcto, dos unicórnios e cabelos coloridos, onde toda a gente se pode identificar com a pancada com que acorde naquele dia, todos podemos ser dos géneros que quisermos e torcer a realidade conforme nos agrade. Em rigor, o Bluesky é aquilo que o Twitter foi quando Dorsey lá estava, e se havia tanta gente que parecia feliz com isso, não pode estranhar-se demasiado que sigam o arco-íris até onde ele está.
Lamentavelmente, quem hoje se queixa muito de Musk e da sua rede, parece ter vivido muito tranquilo quando quase todas as redes onde as pessoas andam se ocupavam a remover (censurar!) conteúdos e contas de utilizadores que ousassem escrever algo que questionasse ou contrariasse ideias alimentadas pelas correntes de opinião. Questionar se era sensato ter homens a frequentar balneários femininos era uma afronta, duvidar da eficácia dos confinamentos ou mesmo da segurança das injecções (chamadas vacinas) utilizadas durante os tempos COVID19 era um crime hediondo, até apontar a impressão de dinheiro a rodos como causa para a inflação, ou rejeitar o uso de pronomes era muitas vezes motivo para cancelamento. No entanto, supõe-se que tanto o Banco de Portugal, quanto a Faculdade de Ciências e o Tribunal de Contas estavam totalmente satisfeitos com isso. A pluralidade, o discurso livre, incomodam-nos certamente mais do que poder escrever tudo, mesmo que isso inclua disparates. Eu prefiro poder ler disparates, e defendo a liberdade para os escrever. A censura é pouco selectiva, e leva com ela bem mais que disparates. Na verdade, aquilo que a censura mais depressa leva é a verdade. O disparate fica, porque não afronta.
Não sei, por isso, onde andou esta gente, todos estes ofendidos, durante os últimos anos, com o Facebook do Zuckerberg – que anda agora a tentar emendar a mão -, o Twitter do Jack ou o Youtube da Google a remover, cancelar, expulsar, quem escrevesse ou publicasse conteúdos a dizer alguma coisa que o “sistema” achasse inconveniente. Onde estava esta gente? Que cognição lhes assiste para ter achado tudo bem, tudo perfeito, e não ter, jamais, percebido o unanimismo bovino? É admirável, mas confrangedor.
Não vejo em Musk um salvador, mas entendo que o que fez foi muito importante. A compra do Twitter foi pivotal para se tentar voltar à realidade. Não vejo em Musk um santo, mas seguramente não o diabolizo só porque é rico e tem putativos interesses, e pode aqui e ali defender coisas com as quais não simpatize particularmente. Diverte-me sobremaneira ver alguns dos ofendidos a dizer que Musk é uma ameaça para a democracia, que se imiscui na política dos países porque publica – com a amplificação que a rede X e a sua notoriedade lhe dão – opiniões que muitos acham desconfortáveis. De novo, onde anda essa gente? Nunca ouviram intervenções do Fórum Económico Mundial? Acham verdadeiramente que o Musk é o problema? Nunca ouviram das bocas de outras figuras discursos de controlo das sociedades, de supressão de liberdades, de restrição da mobilidade e das actividades das pessoas? Nunca se aperceberam dos interesses financeiros de outras figuras conhecidas e do modo, por exemplo, como a OMS é dominada pelo interesse dos seus maiores financiadores e da indústria farmacêutica? Estará toda a gente a dormir?
Em matéria financeira, diga-se, é muito discutível se Musk perde ou ganha, de modo significativo, com as batalhas que comprou. O muito tradicional Financial Times titulou uma peça sobre o que teria Musk a ganhar com a aproximação a Trump: é expectável que o X e a SpaceX se beneficiem de algum modo, mas por outro lado a Tesla tem muito a perder com o afastamento da administração Trump do pavor climático praticado pela administração anterior (a Biden, embora não seja fácil assegurar que essa administração tenha sido mesmo a de Biden, ou a de figuras de bastidores de nome incerto). Não, não me parece que Musk tenha entrado nisto por dinheiro, até porque o que hoje lhe pudesse parecer um enorme benefício, teria o potencial de em quatro anos (ou em oito, se admitirmos que Vance suceda a Trump) se revelar um perfeito inferno, se na vigência desta administração a realidade não se impuser e (re)consolidar, e os democratas americanos não forem minimamente capazes de perceber porque é que os Estados Unidos da América se viraram, maioritariamente, para Trump.
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A desinformação
Os ofendidos, para além dos argumentos de pureza política e ideológica – que sentem existir apenas à esquerda, e quanto mais à esquerda melhor, para eles, não para os outros -, alegam que o X de Musk é hoje um espaço de mentiras. Seguramente existem, e também já lá encontrei várias, mas o caminho não é blindar as pessoas da informação errada como se todos fossem acéfalos, o caminho é fomentar o sentido crítico e oferecer às pessoas informação bem comunicada, que explique o que é o quê, e isso de um modo que contribua para que o tico e o teco computem e as pessoas cheguem às suas conclusões. Um cidadão deve poder formular um juízo, ou tomar uma decisão, a partir daquilo que ele próprio apreendeu, e não a partir do que um qualquer jornalista ou apresentador de telejornal lhe disse para fazer, lendo um guião partilhado por quase todos, qual doutrina.
Abandonar uma rede porque se acha que ali circulam disparates é deixar as pessoas entregues ao caos. Se para os indivíduos, os particulares, não me parece necessário forçar estar onde não se quer estar, às instituiçoes pede-se mais. Pede-se que estejam onde as pessoas estão, e ajudem a informar. Talvez as pessoas que vivem felizes no Bluesky de Dorsey não queiram ser verdadeiramente informadas: contentam-se com dogmas e acham que a ciência está não apenas consolidada, como anunciada por algumas figuras de autoridade incontestável – Fauci salta à mente, mas também temos uns quantos portugueses.
Se a terra não é plana, as instituições podem ajudar a desmontar essa ideia. Se há teorias que se dizem da conspiração, as instituiçoes devem ajudar a demonstrar os factos. O problema é que há teorias da conspiração que se apresentam como antevisões do jogo ou trailers dos filmes que estão por estrear, e só são teorias da conspiração até se perceber que afinal, afinal era mesmo verdade. E, enquanto isso, todos estes anúncios de virtude, estes “agarrem-me, que me vou”, tresandam a burrice almiscarada. Almíscar por almíscar, eu para já prefiro Musk, que até ver os tem bem grandes. Ou, como o próprio às vezes se denomina, Harry Bolz.